domingo, 24 de maio de 2009

Quando é preciso ocupar o tempo...

Há coisa de um ano atrás, foi-me recomendada a leitura de "Papalagui", um pequeno livro que contém discursos de um chefe tribal da Ilha Samoa, uma de entre muitas ilhas nos mares do sul.
"Papalagui" é o homem ocidental, o Branco, o Senhor, visto por este indígena (e por todos os daquelas paragens), aquando da sua viagem à Europa, não importa aqui a que propósito nem por quem acompanhado.
A análise que o Chefe faz desse homem, no início do século XX, dá que pensar, por vezes rir mas sobretudo fez-me comparar entre o essencial e o supérfluo, a grandeza e a pequenez, a ingenuidade e estupidez, a liberdade e a obrigação.
Isto por causa do tempo...
"Não tenho tempo...", "Que pesado fardo, se tivesse mais uma hora...", O tempo escapa-se...", "Maldita hora que não acaba...", "Passa o tempo a cavalo...", "Dá-me mais tempo...", "Os dias fogem-me entre os dedos..."
Viu comportamentos, ouviu frazes que todos dizemos, analisou estes homens evoluídos e chegou à conclusão que o homem Branco sofria de doença grave...

" ... o seu coração arde de desejo por qualquer coisa que lhe apetece, mas estraga o prazer porque o sol se pôs e ele deixou para o dia seguinte..."

É verdade, a falta de tempo é uma doença que nos consome, nos controla e açoita nos momentos menos desejáveis; nos momentos bons passa a correr, num ápice, nos momentos maus demora uma eternidade.
Em tempos desejei que cinco minutos fossem horas e hoje tenho horas que desejava fossem segundos!
Essa doença é a obsessão de cumprir horários, tarefas.
Tudo querer, tudo atingir, tudo fazer, tudo dizer e tudo ouvir.
Mas o tempo não estica e por vezes entramos em desvario, num carrocel de incumprimentos, numa ansiedade por não fazer o que queríamos ou que a vida moderna nos exige.
Mas agora tenho tempo a mais e mesmo assim vou deixando de fazer coisas porque não me apetece ou porque assim tenho o que fazer amanhã, sem questionar se amanhã, por qualquer motivo, verifico que afinal não fiz aquilo que devia ou que queria fazer.

Isso mesmo!
Ontem fui dar uma curva, sem companhia, sem horário, sem roteiro, sem entusiasmo desmedido mas porque tinha de sair de casa, espairecer, ver gente, coisas bonitas ou feias, novidades, aberrações, desatinos de estranhos, ouvir sons e sentir cheiros, olhar e ver ou não ver.
Não fui longe por vários motivos, mas fui laurear-me num dos muitos shoppings em Lisboa, rodeada de livros e discos, onde as gentes pululavam num frenesim de entradas e saídas que só o sábado possibilita.
Eu esquecera o dia da semana. Tenho dias em que não me lembro a quantas ando!
Mas pronto, estava lá, alheei-me da multidão, bebi o meu café insípido, olhei em volta, ouvi a miscelânia de vozes e línguas em redor e depois envolvida pela redoma que por vezes me protege, embrenhei-me entre escaparates e prateleiras de livros.
Letras, nomes, datas, autores, temas, histórias, ciências, títulos, autores, nacionais, estrangeiros, traduções, best-sellers, esgotados, vendidos, novidades, em saldo.
Um mar de buscas que meus dedos desfolharam, uma tarde que "comeu" quase três horas da minha vida de um sábado à tarde.
Saí satisfeita com dois livros sob o braço (não, dentro do saco!), com vários títulos apontados na lista já longa para futuras aquisições.

"Mas tens tantos por lêr em casa, porque gastaste agora este dinheiro", disse de mim para mim, enquanto espreitava as lojas de roupas de marca e de sapatos caríssimos que estão fora das minhas prioridades.

O cheiro dos hamburgueres invadia os meus cabelos enquanto bebia mais uma bica, agora no "Starbucks", apinhado de gente que não bebe um café pelo prazer da bebida ou do espaço diferente mas porque é estrangeiro e é um must; eu também fui para ver a diferença mas não tive tempo, estava gente a mais para o meu gosto, o que me tirou a calma da degustação.
Escada abaixo e acima, hesitei em sair ou voltar a entrar.
"Não tens meninos em casa para dar o jantar, pois não?", voltei a me dizer e a me dar razão, por isso reentrei e perdi-me num hiper de desalmado despesismo e fartura de dar dó.

Come-se tanto ou compra-se tanto!

Carros e carros cheios de tudo e mais alguma coisa, filas imensas de gente que se acotovela pelas senhas de atendimento, do pão, da carne, do peixe, dos queijos, dos bolos, das frutas, dos legumes, pelas filas de pagamento, pelas saídas do estacionamento, pelas faixas de rodagem.
Tudo por causa do tempo, para chegar a casa e ainda ir fazer mais não sei quantas coisas.

Cheguei a casa cansada mas ao mesmo tempo satisfeita.
Olhei os livros comprados mas que ainda não abri.
Escrevo a data da compra na segunda folha ou não? Deixei a resposta a esta pergunta para hoje, logo mais, pela noitinha, quando irei decidir e talvez ler um pouco.

AH! Ontem jantei umas fatias de pão de milho com manteiga e uma caneca de café, bem quente!

Soube-me melhor do que uma qualquer iguaria, depois de uma espera num qualquer restaurante, de onde saísse a cheirar a fritos, farta pelo empregado demorar a trazer a conta e ainda para mais sem vista para o mar...

Bem dizia o tal Chefe indígena,
"Regozijem-se pelo facto de poderem dialogar com o sol, das vossas pernas mexerem como um cavalo selvagem... sem refrear o pensamento, há questões para as quais não há resposta..."

Tchau!

sábado, 9 de maio de 2009

Hoje eu fui à feira

Já chovera bastante, o céu ainda estava cinzento, carregado.
Montaram as tendas durante a madrugada e alguns passaram pelas brasas.
O chão secara, estava calor e as pessoas apressadas nas suas compras, embaraçadas pelos sacos dependurados nos braços, despiam os casacos e os Kispos.
A manhã a mais de meio, já cheirava a bifanas, churros e pão quente com chouriço, vendidos nas roulottes, transformados em lotados snacks com esplanadas circundantes, delimitando o espaço comercial.
Nas bancas, as mãos dos "mexilhões" chafurdam na incessante busca de algo que sirva ou agrade.
Pululam os mirones e os pretensos compradores.
Convidam-se os indecisos a aproximarem-se ao som do pregão:
"Freguês venha ver, é só cinco Euro, este aqui é dois"
"Malas liiiinnnndaaaas é de griffe"
"Olha a t-shirt da moda"
"É da Kitty, é Guccy, é Prada, é tudo original"
"É só comprar,vamos freguesisa"
Vozes mal dormidas de homem e de mulher cansada, certamente.
As nossas bolsas estão pouco abonadas de dinheiro.
Os cartões, esgotados, ali não servem para nada.
Mesmo assim, esperamos comprar qualquer coisita que anime o fim de semana, que faça sorrir o filho com roupa nova, que nos faça sentir bonitas com uns sapatitos frescos de verão.
Entre a exposição dos mais variados produtos e as carrinhas, dispensam-se os vendedores, mulheres, quase todas ciganas, de filho ao peito (ou à mama), bolsa suspensa à barriga e olho na mercadoria, não vá ela desaparecer pela mão do cliente sempre sério...
Os putos quase sempre descalços, choram, correm, brigam, pedem comer e não são parcos a pedir e também elas não se coibem de dar tudo pelos filhos.
A criança filho de cigano, não deve ter faltas, não deve ser castigado, pode gritar, pode espernear.
Pode porque os pais acreditam que até aos sete anos, o seu espírito é livre e deve crescer sem excessivo controlo que o faça infeliz.
Pergunto se depois disso será possível controlar os ímpetos do que quer e do que pode ter.
Mas as mães são indubitavelmente carinhosas, controladoras e soberbas das suas crianças.
As raparigas, quais misses desfilando suas toilettes e penteados, creio aproveitarem para se mostrarem aos possíveis noivos.
Os rapazes mais velhos, ajudam na venda e nos estridentes pregões.
Os homens observam, encostados às viaturas ou aos carrões que alguns já ostentam.
Outros deambulam mais afastados, controlando o vai e vem das gentes, em grupos, falam de negócios, das viagens pelo país, do custo das mercadorias nas fábricas, dos milhares gastos e do que ficará de lucro no fim.
No meu silêncio penso realmente quanto sobrará depois de venderem tanta coisa a um ou dois euros e depois de pagarem tantos cachorros, refrigerantes, febras, cervejas, croissants, cafés, hamburgueres, galões, bolos, pão com chouriço, chocolates, pacotes de leite...
E os impostos, será que pagam impostos ou só recebem subsídios?

Olho os anciãos, vestidos de negro para sempre...
... de longas barbas matizadas de branco, que não cortam...

Ufa!
Pirei-me porque o sol voltara radioso, estava muito calor.
No meio de tanta coisa, de tanta porcaria, para mim muito deveria ir para o lixo ou nem sequer autorizado a saír das fábricas!
Se eles vendem produtos contrafeitos, são perseguidos e multados.
Não deveriam antes os fabricantes contrafactores serem controlados na sua produção, não permitindo a saída desses produtos?
Um pouco de tudo ou nada como o que vem (ou vinha?) da China ...
... sem costuras ou baínhas, mal colados, tecidos torcidos, malas mal cosidas, tingimentos mal feitos, perfumes que a nada cheiram, chapéus que encolhem com chuva, camurças feitas de papel, roupa de mulher que nem serve a criança, calças que parecem plástico, calçados que cheiram a chulé e produtos de alimentação que desconheço terem sido controlados pela ASAE ...

A feira continuava abarrotada, os centros comerciais logo também estarão cheios...
Vergonhosamente continuamos o país da Europa com menores ordenados, com menor poder económico e não falemos mais de crise...

No recato da minha casa respiro fundo.
Se é espanhola não sei, mas deleito-me agora com uma laranja sumarenta e doce que me refresca e mata a sede.

"Quanto mais souberes sobre o passado do teu país, melhor entenderás o seu presente"

Amanhã vou ver o mar................................

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O tempo não pára, o pensamento voa...

Há quase um ano, escrevi frases saídas da do fundo de mim e prometi de vez em quando expor partes do que tinha guardado, sem ordem nem cronologia.
Hoje, aventuro-me uma vez mais, depois de um interregno propositado (ou desmotivado).

"Não seja o meu tempo
Marca de algum desamor,
Não sejam as mágoas
Culpadas da descrença.

Se os meus olhos brilham,
O meu peito bate, ardente.

E eu, aguardo!

Não, não quero mais,
Na boca o gosto amargo,
Eu quero é fogo, o picante,
As estrelas que cintilam
E o pensamento que pensa...

E eu, aguardo!

Que "baixem" os poetas em mim,
Que o meu peito se abra,
Que diga, cante o que sente,
Nesta euforia, alegre
Força que se adensa
E em mim corre,
Vibra, salta barreiras.

... Eu sou um mar revolto,
de cálidas águas,
... Um turbilhão chamado amor.
E faço uma história sem fim,
Que eu não invento,
E desfraldo bandeiras
Ao sabor do vento..."

Continuo sem comentários, não sei se vale a pena escrever para outrem ou se volto a guardar tudo naquela gaveta, só para mim.

Há muitos anos Afonso de Albuquerque disse,

"... os deuses se serviram para que tudo se cumprisse..."

eu também aguardo que algo aconteça, que alguém me leia e tudo possa mudar.

Eu vou voltar!